sábado, 19 de setembro de 2009

democracia e violação de correspondência


A transcrição feita pelo DN de um mail enviado entre duas pessoas, jornalistas ou não, ultrapassa o acto jornalístico e volta a fazer tinir o “espanta-espíritos” sobre a existência de uma entidade parda que nos controla e visiona sem ser vista nem identificada.

Não acredito que um dos dois jornalistas intervenientes tenha aberto portas à saída do mail da sua caixa de correio, o que me faz pressupor que alguém acede às nossas mensagens privadas - às dos mais importantes para que os intuitos do sistema cheguem a bom porto, obviamente. Isto faz-me também pensar, muito embora possa parecer “teoria da conspiração”, mas os anos se encarregarão de me dar ou não razão, que os nossos próprios mails, se alguma vez tivermos contacto com alguma dessas pessoas, “alvos a abater”, poderão ser esmiuçados, por menor importância que possam ter.

Adiantaram-me há meses que correspondência electrónica trocada entre duas pessoas envolvidas num caso mediático foi, de forma dissimulada, utilizada para tentar indiciar a culpa de uma das partes, de uma forma algo grotesca, por sinal. Por aqui não vale a pena alongar-me.

O importante, em tudo isto, é a impressão que fica de que o PS de Sócrates, muito provavelmente com o caminho já aberto por outros governos e pelo próprio PDS, nos trouxe essas benesses que são as escutas ilegais, a utilização ilícita de formas de investigação que apenas podem ser levadas a cabo por ordem do tribunal. Se não podem ser utilizadas (ainda) como prova, podem lançar para o terreno a desconfiança e fazerem-nos sentir pouco seguros, não apenas na rua mas, essencialmente, na nossa privacidade, no nosso pensamento.

Jerónimo de Sousa erra quando diz que estão a tirar-nos direitos e liberdades que demoraram dezenas de anos a conquistar. Erra apenas no tempo do verbo. Não estão a tirar-nos, já nos tiraram. Pior, fizeram-no com a anuência e utilização do outrora quinto poder: jornalistas vendilhões do seu próprio estatuto e da sua carteira profissional que estariam obrigados a defender. Mais grave ainda, poucos são, muito poucos mesmo, os que alertam para a situação de ilegalidade e de violação da democracia: tão importante como as hipotéticas escutas é saber como veio este mail a público.

Eu não sei, mas desconfio. E desconfio que isto é apenas o apuramento de algo que um simples funcionário público, quiçá no ministério certo, me disse há mais de dez anos: “qual ordem do juiz, qual quê, basta eu querer pôr a tua linha sob escuta”. À altura entendi como gabarolice; neste momento a frase assalta-me e acredito que ressoe na democracia e em toda a vida civil portuguesa.

Portugal corre perigo. Nós, portugueses, pusemo-nos a jeito e continuamos cegamente a ajudar a cercear liberdades conquistadas.

Talvez a História seja assim mesmo, cíclica. Talvez nós sejamos um povo conformado, navegadores à bolina.

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